http://brasil.elpais.com/brasil/2016/08/07/opinion/1470577438_006713.html
A carta do FHC anti-carta da Dilma antes desta lançar a sua versão definitiva.
Me faz pensar sobre tantas coisas que minha cabeça explode. É um texto interessante por vários motivos, um dos maiores é que, por ser do FHC, é um festival de cinismo e hipocrisia. Coisas que aparentemente são corretas, mas que, saindo da boca do FHC, contaminam-se.
Ainda: É um texto curto, coluna de opinião mesmo, mas tem um labirinto ou outro pelo meio, frases de propósito feitas para apertas botões específicos. É um bom texto até onde estamos analisando redações; é difícil um político brasileiro aparecer com um bom texto (ao invés de um texto recheado de boas imagens).
O argumento dele basicamente é esse: Temer é uma merda, mas novas eleições agora, infelizmente, não é realista. Já estamos quase em 2017, uma eleição um ano antes de ano de eleição cria mais problemas que resolve. É triste, concordo com ele. Tivesse a Dilma chamado as eleições no começo do ano pra enfiar ela junto com a eleição pra prefeito, ainda não seria ideal, mas agora... a janela pode realmente ter passado mesmo...
Mas o penúltimo parágrafo é o interessante:
Precisamos fixar algumas prioridades, aliás, sabidas. Primeiro consertar a economia, começando pelas finanças públicas e por aceitar que, gastar sem haver recursos, não é política "de esquerda", é erro; quem paga as consequências dos erros (desemprego, inflação e desinvestimento) é o povo. Segundo, que não dá para governar com dezenas de "partidos" que são meras letras justapostas para obter vantagens financeiras. A cláusula de desempenho e a proibição de coligações nas eleições proporcionais se impõem. Terceiro, não basta o equilíbrio fiscal, é preciso alcançá-lo de modo favorável ao crescimento e à redistribuição de renda. O crescimento, em nosso caso, vai depender de o Estado bem desempenhar seu papel de regulador (por exemplo, nas parcerias público/privadas e nas concessões) e se abster de abarcar tudo. Quarto, que algum sinal na Previdência (por exemplo, a fixação progressiva de uma idade mínima para as aposentadorias) e no mercado de trabalhos (por exemplo, apoiar a sugestão do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo que dá maior peso às negociações) será importante. Por fim, é preciso entender que a agenda do atraso, preconizada por setores fundamentalistas, que se opõem aos direitos sociais e às políticas de identidade (de gênero, cor, comportamento sexual etc.) e equalizadoras (as cotas, as bolsas e etc.) é tão perniciosa quanto a paixão pela hegemonia voluntarista.
FHC nos lembra porque um dia não tivemos nojo do PSDB. É um partido neoliberal em uma noção recente que eu vi da palavra que diz que neoliberal é ser Libertarian-ish, não por princípio ou por direitos naturais, mas por consequencialismo (nome contemporâneo que a filosofia ética dá ao utilitarianismo) o que significa que embora se defenda livres mercados e estado relativamente minimo, o se faz pelo conteúdo empírico das ciências econômicas e não por questões abstratas de direitos naturais. Ou seja, se a economia diz que um intervencionismo pontual ou redistribuição de renda é necessária, então que seja.
Ainda, em um mesmo parágrafo, ele ziguezagueia entre esquerda e direita de modo sensível demais pra essa tal falsa "polarização" que querem mentir para nós que é a realidade. O Estado privatiza, mas regula é um exemplo. Defende o fim dos partidos nanicos (algo que concordo embora apoie partidos nanicos), as políticas de identidade e ações afirmativas (que ele chama de "políticas equalizadoras").
É tudo "ish". É um Liberal no sentido norte-americano da coisa. Capitalismo, comércio externo, regulamentação, cotas raciais, direitos direitos LGBT; tudo num arremedo que faz sentido.
De novo, seria um texto ótimo se não fosse quem o assina. Dado quem o assina, o cinismo faz do texto fascinante.